Caio Mário Vieira
Marques.
Caio Mário Vieira.
Uma senhora parou-me, argumentou e
perguntou-me.. “Este nosso Rio Joanes está morrendo. Não consigo mais viver de
mariscar. Deixei de trabalhar nas águas do Joanes, depois de viver mais de 15
anos mariscando. Hoje tenho que efetuar outras tarefas para as
quais não fui preparada, tendo que reinventar meu futuro. Minhas filhas precisam
de sustento e eu estou tendo muitas dificuldades para ajudá-las a sobreviver. O
que as pessoas podem fazer para melhorar a qualidade das águas do Rio Joanes???
As pessoas estão jogando esgoto e lixo e ninguém faz nada,
doutor??!!!”
Será que teremos mariscos e peixes de volta ao nosso
Rio???? Pensei eu!
Outros comentários eu ouvi de pescadores, senhores com
mais de 70 anos, cerca de 50 anos dedicados à pesca, entre Portão e Buraquinho,
em Lauro de Freitas. “Nós tirávamos mais de 10 quilos de peixe, cada um de nós,
diariamente. Vendíamos aos próprios moradores da beira do rio, nas casas dos
condomínios. Nós saíamos para pescar e já recebíamos as encomendas dos nossos
clientes. Criei meus filhos e sustentei minha família pescando no Rio Joanes,
até o final dos anos 90, sem maiores dificuldades. Nos últimos anos, nada mais
pode ser pescado acima da Ponte do Terminal Turístico de Portão, dada a péssima
qualidade da água e a inexistência de peixes, para a pesca de
subsistência.”
Os moradores das margens do Rio Joanes lamentam a
morte silenciosa e prejudicial daquele que foi uma atração turística da região,
visitado diariamente por dezenas de embarcações motorizadas, barcos à vela,
barcos a remo, canoas de pescadores e marisqueiras, Jet-skis, pranchas de Wind
surf, boias de câmaras de ar e outros apetrechos semelhantes.
Não vemos mais ninguém gozando das águas do Rio
Joanes, salvo por ignorância, na sua foz, na Praia de Buraquinho, remediada
periodicamente pela diluição natural dos esgotos na preamar!
Vários condomínios que eram valorizados pelas suas
margens banhadas pela natureza exuberante daquele que representa 40% do
abastecimento de água tratada da Região Metropolitana, amargam prejuízos agudos,
abalando a economia regional, face à degradação da sua calha. E o Rio Joanes
agoniza ao lado do prostrado Rio Ipitanga!
Os moradores ribeirinhos, ultrajados, repugnam e
desprezam a existência dos afluentes do Rio Joanes. É que, por sua calha e
lagoas, não escorrem mais águas limpas. Tão somente esgotos!
Ninguém deseja morar ou contemplar esgotamentos fétidos. São
dezenas de hotéis e restaurantes, são centenas de casas, locais de lazer e
contemplação destruídos pela insensível forma de gerir a VAZÃO dos rios !
Verdade! Não correm mais os rios! Somente as águas servidas, e as
drenagens pluviais!
Os seus afluentes, Rio Ipitanga , Rio Sapato, Rio
Sucupió, dentre outros, apenas colaboram para manter úmida e
poluída aquelas calhas sobre as quais desfilavam refrescantes e límpidas,
águas balneáveis, permitindo a todos, além da pesca, contemplação e o
turismo.
Perderam todos aqueles que pensaram que possuíam o
direito de contemplar e gozar, para sempre, das frescas brisas que enrugavam
os espelhos das suas límpidas águas puras.
Enganaram-se todos que pensavam que poderiam passear
durante toda a vida, em suas águas limpas, pescar e comer da sua fauna, banhar e
contemplar nas suas preguiçosas margens.
As suas águas, a montante das barragens, tanto as do
Rio Ipitanga, quanto as do Rio Joanes, são muito úteis à sociedade. Elas
abastecem parte das residências de todos os bairros de Salvador e Região
Metropolitana. São estratégicas!
Depois de passarem pelas entranhas de algumas
residências próximas as suas calhas, retornam em forma de efluentes domésticos,
para seguir o seu caminho para o mar, buscando receber o tratamento químico e
físico naturais, promovidos pelo Oceano Atlântico, já que a nossa sociedade
descarta esgotos “in natura”.
Ocorre que, além das moradias da Grande Salvador, as
águas da Bacia do Joanes também abastecem empresas e indústrias, notadamente as
de Simões Filho e Camaçari. É verdade!! Bem acima dos descartes domésticos, são
sugados, por minuto, milhões de metros cúbicos de água boa, para serem
comercializados , em detrimento dos interesses públicos, privados e dos cidadãos
que investiram nas praças, praias e margens desta mesma Bacia.
Sofre muito o “município-foz” de Lauro de Freitas! É
que por possuir somente uma foz, todo o lazer e contemplação estão degradados,
quando se trata de natureza e estrutura fluvial!
Sem colaborarem para a estrutura de novas captações
para água tratada, sem colaborarem para o re-uso de água, sem promoverem
qualquer tipo de ação educativa, de inclusão social, ou de respeito ambiental,
estas empresas sugam a seiva que mantém viva a natureza, predando a economia
regional, a felicidade das pessoas, a vida de animais e vegetais,
retirando dos cidadãos ribeirinhos o direito à contemplação de uma bacia
hidrográfica natural saudável.
Não praticamos a recuperação dos esgotos, o reuso da
água servida, o tratamento mínimo para que possamos dar as águas uma vida mais
longa, enquanto esta transita sobre o continente semiárido, e entre as manchas
de Mata Atlântica. Somos um povo muito pacato!
Os emissários submarinos, por seus turnos, remetem
esgotos sem tratamento, onerando o Oceano Atlântico, para que este se desdobre
em esforços para tratar os resíduos enviados. Com exceção do emissário lançado
no litoral norte, os demais existentes em Salvador, são degradadores da natureza
marinha.
Mas a água retida pelas barragens construídas há
dezenas de anos não deveria estar ausente das calhas dos rios Ipitanga e Joanes.
Através de vazões mínimas diárias, garantiríamos a sobrevivência da vida
fluvial, das garças e peixes, siris e ostras e da qualidade mínima das lagoas
que se formam ao longo do seu caminho!
Estas nossas águas, que nos são de direito, totalmente
retidas, impedidas de seguirem para o mar, de promover o nosso contato,
contemplação e uso, estão sendo desviadas, sequestradas, para as empresas que
delas gozam e lucram, irregularmente, em nosso prejuízo! A degradação
dos entornos da Bacia do Joanes e a poluição intensa da sua calha é o que
nos resta como patrimônio!
Existem obrigações esquecidas, bem como direitos que
estão sendo ofendidos. Existem prejuízos causados por esta ação
predatória, de estreita visão e de baixa percepção dos valores
socioculturais e econômicos. Existem erros humanos a serem corrigidos e
prejuízos a serem reparados! A vida maltratada na Bacia do Joanes necessita de
reparação!
Desejamos uma VAZÃO ECOLÓGICA, uma mínima colaboração
de vida, durante todos os 365 dias do ano, além de medidas de
recuperação para a calha da Bacia do Joanes, suas margens, seus equipamentos de
contemplação e uso.
Não nos bastam as vazões promovidas por questões de
segurança das barragens, na época das chuvas e das cheias, inundando as casas e
ruas dos nossos bairros ribeirinhos! Queremos nossos rios vivos todos os
dias, verão a verão, serpenteando saudáveis, até assim encontrarem
o mar!
Convocamos todos para debater sobre a recuperação das
Bacias dos Rios que banhavam de alegria as saudáveis margens da nossa grande
Salvador!
Quem sabe? Paulinho da Viola possa inspirar-se e
compor um novo sucesso?!
Vamos compor um futuro melhor, alterando as nossas
condutas!
*Caio Mário Vieira Marques, morador de Lauro de
Freitas, Conselheiro da Rio Limpo, Secretário Executivo da APA Joanes
Ipitanga, pescador, velejador, nadador, advogado.
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