“É a forma mais rápida de a gente se comunicar. A gente já está civilizado mesmo, né? Então, tem que usar"
Na mão direita, o psicopedagogo Lymbo
Perigipe, 39 anos, segura um smartphone com sistema operacional Android.
Como muitos brasileiros, está insatisfeito com a cobertura da
operadora de telefonia. “Quando a gente vai mandar as mensagens no
WhatsApp para os amigos, nem dá para responder. Fica avisando que já
gastou 80% do 3G, depois vem 100% e acabou tudo. Essa operadora fica
roubando meus créditos”, queixa-se.
Até
aí, nada muito diferente. Mas, na mão esquerda, Lymbo ostentava uma
chanduka – um cachimbo típico da tribo indígena Fulniô. “São dois meios
de comunicação”, diz, referindo-se tanto ao celular quanto ao apetrecho.
“Esse aqui é para se comunicar com a natureza, que é a nossa
espiritualidade, e esse aqui (o smartphone) é para falar com vocês que
não sabem fazer sinal de fumaça”, brinca, apontando para os não-índios
que visitavam a reserva indígena Thá-fene, em Lauro de Freitas, na
quarta-feira.
(Foto: Evandro Veiga/Correio).
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Lymbo
é um dos 12 índios que vivem no local, que fica a pouco mais de 10
quilômetros do centro do município da Região Metropolitana de Salvador.
Em um terreno de 28 mil metros quadrados, membros de duas etnias –
Fulniô, de Pernambuco, e Kariri Xocó, de Alagoas - convivem como uma
pequena sucursal de suas tribos originais. Aqui, a reserva virou ponto
de encontro desses índios, que têm como traço marcante de sua cultura o
fato de serem nômades. Em algumas épocas do ano, a reserva chega a
receber 40, 50 índios de uma vez.
Só que o sinal de fumaça já ficou antiquado para
contatar quem ficou nas aldeias. Índio também quer fazer parte do mundo
do Facebook e do WhatsApp. “A gente usa Skype também. Dos mais novos,
todo mundo tem. Agora, os velhos não têm, não. Eles dizem ‘isso é coisa
do cão’”, conta a índia Cynthia Santos, 22, que é dos Kariri Xocó, mas
veio para a Thá-fene pela primeira vez há dez anos.
“É a forma mais rápida de a gente se comunicar. A
gente já está civilizado mesmo, né? Então, tem que usar. Se acontece
alguma coisa, a gente fica sabendo na mesma hora”.
Conexão
Na Thá-fene, não existe Wifi. Apesar de terem um modem de internet para computador, a melhor opção para eles é a internet 3G dos celulares – para infelicidade de Lymbo. O líder da tribo (ele não quer ser chamado nem de pajé, nem de cacique), Wakay Cícero Pontes, 41, usa a conta que tem no Facebook há cinco anos para divulgar oficinas realizadas pela tribo, além de seu próprio trabalho como cantor. Wakay já gravou um CD e chegou a vender 17 mil cópias, com músicas escritas, cantadas e tocadas por ele em sua flauta.
Na Thá-fene, não existe Wifi. Apesar de terem um modem de internet para computador, a melhor opção para eles é a internet 3G dos celulares – para infelicidade de Lymbo. O líder da tribo (ele não quer ser chamado nem de pajé, nem de cacique), Wakay Cícero Pontes, 41, usa a conta que tem no Facebook há cinco anos para divulgar oficinas realizadas pela tribo, além de seu próprio trabalho como cantor. Wakay já gravou um CD e chegou a vender 17 mil cópias, com músicas escritas, cantadas e tocadas por ele em sua flauta.
“Tá ali a televisão, o celular, todo mundo agora com
a mente ocupada. Mas eu crio metas, crio movimentos onde se interaja,
para passar por uma reciclagem”, conta ele, enquanto mostra, na TV de
LCD, vídeos de apresentações de música que fez este ano, gravados em um
pendrive. Mas ele garante que, apesar de toda a tecnologia que chega na
reserva – na cozinha, por exemplo, há até uma sanduicheira elétrica –,
os costumes tradicionais não mudam.
Nas paredes, há pinturas e palavras escritas em
yatê, a língua original das tribos. No centro da sala, ao lado da
televisão, várias flechas, flautas, arcos, pedras e peças de artesanato
parecem compor um santuário. “Mas isso aqui é meu armário”, diz Wakay,
enquanto mostra seus instrumentos e até um pedaço de meteorito, que
teria caído na mata há alguns anos.
“Você não pode chegar na casa de um indígena de
origem e só encontrar geladeira, televisão”, acredita Wakay. Para ele,
as características do resgate e da preservação da identidade, “cabe a
cada um se conscientizar”. “Por que não juntar o útil ao agradável? O
que tem a ver tecnologia e responsabilidade cultural? Elas estão
juntas”, conclui.
Os índios garantem que ninguém deixa de fazer
nenhuma obrigação da aldeia devido à vida na cidade. Na época do
Ouricuri, um dos principais rituais tanto dos Fulniô quanto dos Kariri
Xocó, não tem internet, celular e televisão. “Quando a gente está lá,
isso daí é abominado. Não existe, até porque não tem energia, luz, essas
coisas. É tudo natural. A gente vai para a mata para carregar as
energias e fica afastado de tudo. Só tem fogueira e mata”, conta a índia
Cynthia. O Ouricuri pode durar até três meses e só índios têm permissão
para participar. No caso dos Fulniô, acontece em setembro. Já para os
Kariri Xocó, em janeiro.
E, mesmo chateado com a falta de 3G, Lymbo diz que o
tempo da família é sagrado. “A tecnologia ajuda muito, mas a gente não
pode viver em função disso, porque rouba nossa energia. Nós temos que
ensinar as crianças a valorizar a própria energia”, filosofa. Fonte: Thais Borges/Rede bahia.
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