sexta-feira, 31 de julho de 2015

Para o Índio Wakay Pontes educação “é a cumplicidade coletiva” por isso é preservada dentro das tribos



Wakay Pontes ou Cícero da Cruz, 41 anos de idade, educador, é músico, artesão, ator, escritor, terapeuta e líder da reserva indígena Thá-Fene, localizada no Quingoma, na região de Lauro de Freitas, na Bahia, região metropolitana de Salvador. Índio descendente das tribos brasileiras Kariri-Xocó e Fulni-ô, ambas remanencesntes de estados de Alagoas e Pernambuco, criado por uma educadora, ele acredita que a educação é a base de tudo. Nos tempos contemporâneos, apesar de ter acesso e estudar nas escolas tradicionais Wakay não abre mão da educação, de seus ancestrais, que ele denomina como cumplicidade coletiva.



ADAILTON REIS- Qual a importancia da educação em sua vida?
WAKAY PONTES- Educação é muito importante pra mim, principalmente que fui criado por uma educadora, que soube apesar de não ser índia, ter a sensibilidade de oportunizar todas as necessidades da minha cultura indigena.

ADAILTON REIS- Qual o conceito de educação para sua tribo?
WAKAY PONTES- A educação pra nós é a cumplicidade coletiva. Por isso que vivemos em comunidades, essa idéia vem do senso comum. Coletiva porque essa cumplicidade que temos um com o outro. Não vai adiantar a gente achar que todo mundo é bonzinhos. Nós não somos bonzinho, mas tentamos trabalhar para o bem comum de todos.

ADAILTON REIS- Na educação indigena há a necessidade de seguir graus como seguem as escolas acadêmicas?
WAKAY PONTES- Eu foco muito neste questionamento, porque há uma necessidade didática que hoje as academias estão tendo. Isso porque estão plantada numa história deteriorada do que uma história voltada para a construção. De que adianta construir e não manter?

ADAILTON REIS- Há algum conflito entre a esducação tradicional e a indígenas?
WAKAY PONTES- Sim, muitas vezes, porque de alguma forma não estão dentro dos padrões, principalmente quando o caso se refere a religião. Temos leis internas e essas leis precisam ser respeitadas. Nós entendemos da forma que falamos, entendemos as coisas por desenhos.

ADAILTON REIS- A educação indígena sobrevive à educação tradicional?
WAKAY PONTES- A educação indígena, aos trancos e barrancos, mas prevalecendo uma essência viva. Se mudaram nossas roupas, nossa pele, nosso estilo de vida, nossas casas e nosso comportamento. Quiseram mudar tudo e mudaram, só vai prejudicar se nós aceitarmos toda a condições expostas...

ADAILTON REIS- A educação tradicional não ajuda de certa forma a formação política do índio?
WAKAY PONTES- Nós não temos uma construção política construtiva. Nós temos uma educação “maquetada”. Hoje só é alguém, só se desenvolve um profissional mesmo, se tiver um estado de espirito. Nós não educamos destruindo as coisas, nós respeitamos as condições natural das pesssoas e das coisas. O povo indígena se organiza conforme as estações. E cada povo se organiza a nível de língua, dia-a-dia, com seus elementos. Por isso que somos um povo que sofre com a dizimação ecológica. Tudo isso é uma adaptação do individualismo.

ADAILTON REIS- Todo esse sistema educacional entra em choque com os indígenas, isso atrapalha?
WAKAY PONTES- Não atrapalha, mas há necessidade de favorecer um diálogo mais aberto. No sentido de ter um certo entendimento, porém com muito cuidado. Se um antropólogo conversar com um de nós, vai dizer que somos aculturados. Na realidade, o índio deixou de estudar sua própria história. E como iremos nos entender? “Não há homem criado pelo homem que o tempo não gaste. Temos que ter manutênção.

ADAILTON REIS- Qual a sua formação acadêmica?
WAKAY PONTES- Tenho o segundo grau. Estudei em escolas públicas do governo.

ADAILTON REIS- Você teve oportunidade para proseguir nos estudos?
WAKAY PONTES- Sim, mas diante disso não fiquei pra trás, divido e convivo tudo que essa sociedade pode oferecer a um ser humano. Hoje dou cursos téoricos, estou envolvido com a arte e o resgate a cultura indígena, como a música e arte cênica.

ADAILTON REIS- O senhor esteve em vários seminários, fez um documentário, dá palestras, promove cursos educativos, rececebe muitas pessoas, alunos de diversas escolas e faculdades. Você não se considera um professor?
WAKAY PONTES- Não. Eu me considero um aluno, porque cada povo que chega aqui, eles também trazem algo de novo e consequentemente acabo aprendendo com eles.

ADAILTON REIS- A educação do índio é singular?
WAKAY PONTES- Nosso ancestrais nos ensinaram a ser receptivos. Não viemos a esse mundo para tornar as pessoas nossos fãs, nossos pacientes. O índio não veio para ser um astro e sim para complementar, fazer parte de um conjunto. Isso é um tema acadêmico da natureza. Agora eu abro mão de qualquer situação que venha de encontro com ensinamentos dos meus ancestrais.

ADAILTON REIS- Quantos índios convivem aqui nesta reserva?
WAKAY PONTES- Temos quatro familias e dentro do movimento são trinta famílias, isso fica ao total em torno de sessenta pessoas.

ADAILTON REIS- Na Reserva todos estudam?
WAKAY PONTES- Todos estudam. Minhas filhas, minha mulher e outros.

ADAILTON REIS- Quantos deram seguimento ao curso superior?
WAKAY PONTES- São vários, inclusive muitos advogados. Aqui temos muitas pessoas formadas, mas a maioria está atuando fora. Hoje dentro de nossa tribo, temos um índio formado. Ele é pedagogo pós graduado em psicopegagogia. Aprendeu essa línguagem dos homens. Mas ajuda bastante também. Temos uma contadora de história, que nos ajuda a contar lendas nos nossos trabalhos educacional. Inclusive temos bons livros e documentários que eles contribuiram e muito com suas formações.

ADAILTON REIS- Essa formação veio por incentivo do governo? E por que a necessidade desses índios formados não atuarem na região?
WAKAY PONTES- Essa formação não veio de incentivo de governo. Muitos fizemos parceria com empresas privadas. Já em relação a mudança dos índios, aqui dentro enfrentamos muitas dificuldades, além de precisarmos ampliar território sem conflito.

ADAILTON REIS- Com essa expanção dos índios formados para outros estados, existe um deficit na complementação da educação dos índios da aldeia. Uma vez que esses índios acabam ajudando nesse processo?
WAKAY PONTES- A humanidade em si, tem essa necessidade de se renovar, buscar nossos caminhos para a sua vida. As pessoas generalizam muito o índio. O índio é só uma palavra generalizada. Hoje o Brasil se resumiu no Tupi-guarani, mas temos muitas outras linguagem como a lingua do caribe, camuru, macrugê, entre outros troncos linguisticos. Somos povos, somos nativos.

ADAILTON REIS- Vocês tem acesso a internet?
WAKAY PONTES- A internet chegou aqui, através dos aparelhos celulares. Acessamos através desses aparelhos, mas no sentido da inclusão digital, ainda estamos longe, estamos trabalhando para que chegue na aldeia. Estamos em processo de ampliação para quem sabe chegue aqui uma sala de informática?

ADAILTON REIS- No município, os professores da Rede escolar pública municipal estão sempre em greve. Isso afetam vocês?
WAKAY PONTES- Sim. Temos nossa própria educação, mas para os homens, precisamos estudar para ser tal, para ser alguma coisa. A educação deles forma as pessoas para alimentar um certo consumismo, apenas para um ato. Então nas leis deles, você precisa estudar senão você não é nada. Nesse sentido afeta a gente, porque ficamos excluidos.




 

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