Wakay Pontes ou Cícero da Cruz, 41 anos de idade, educador, é músico, artesão, ator, escritor, terapeuta e líder da reserva indígena Thá-Fene, localizada no Quingoma, na região de Lauro de Freitas, na Bahia, região metropolitana de Salvador. Índio descendente das tribos brasileiras Kariri-Xocó e Fulni-ô, ambas remanencesntes de estados de Alagoas e Pernambuco, criado por uma educadora, ele acredita que a educação é a base de tudo. Nos tempos contemporâneos, apesar de ter acesso e estudar nas escolas tradicionais Wakay não abre mão da educação, de seus ancestrais, que ele denomina como cumplicidade coletiva.
ADAILTON
REIS- Qual a
importancia da educação em sua vida?
WAKAY
PONTES-
Educação é muito importante pra mim, principalmente que fui criado
por uma educadora, que soube apesar de não ser índia, ter a
sensibilidade de oportunizar todas as necessidades da minha cultura
indigena.
ADAILTON
REIS- Qual o
conceito de educação para sua tribo?
WAKAY
PONTES- A
educação pra nós é a cumplicidade coletiva. Por isso que vivemos
em comunidades, essa idéia vem do senso comum. Coletiva porque essa
cumplicidade que temos um com o outro. Não vai adiantar a gente
achar que todo mundo é bonzinhos. Nós não somos bonzinho, mas
tentamos trabalhar para o bem comum de todos.
ADAILTON
REIS- Na
educação indigena há a necessidade de seguir graus como seguem as escolas acadêmicas?
WAKAY
PONTES- Eu
foco muito neste questionamento, porque há uma necessidade didática
que hoje as academias estão tendo. Isso porque estão plantada numa
história deteriorada do que uma história voltada para a
construção. De que adianta construir e não manter?
ADAILTON
REIS- Há
algum conflito entre a esducação tradicional e a indígenas?
WAKAY
PONTES- Sim,
muitas vezes, porque de alguma forma não estão dentro dos padrões,
principalmente quando o caso se refere a religião. Temos leis
internas e essas leis precisam ser respeitadas. Nós entendemos da
forma que falamos, entendemos as coisas por desenhos.
ADAILTON
REIS- A
educação indígena sobrevive à educação tradicional?
WAKAY
PONTES- A
educação indígena, aos trancos e barrancos, mas prevalecendo uma
essência viva. Se mudaram nossas roupas, nossa pele, nosso estilo de
vida, nossas casas e nosso comportamento. Quiseram mudar tudo e
mudaram, só vai prejudicar se nós aceitarmos toda a condições
expostas...
ADAILTON
REIS- A
educação tradicional não ajuda de certa forma a formação
política do índio?
WAKAY
PONTES- Nós
não temos uma construção política construtiva. Nós temos uma
educação “maquetada”. Hoje só é alguém, só se desenvolve um
profissional mesmo, se tiver um estado de espirito. Nós não
educamos destruindo as coisas, nós respeitamos as condições
natural das pesssoas e das coisas. O povo indígena se organiza
conforme as estações. E cada povo se organiza a nível de língua,
dia-a-dia, com seus elementos. Por isso que somos um povo que sofre
com a dizimação ecológica. Tudo isso é uma adaptação do
individualismo.
ADAILTON
REIS- Todo
esse sistema educacional entra em choque com os indígenas, isso
atrapalha?
WAKAY
PONTES- Não
atrapalha, mas há necessidade de favorecer um diálogo mais aberto.
No sentido de ter um certo entendimento, porém com muito cuidado. Se
um antropólogo conversar com um de nós, vai dizer que somos
aculturados. Na realidade, o índio deixou de estudar sua própria
história. E como iremos nos entender? “Não há homem criado pelo
homem que o tempo não gaste. Temos que ter manutênção.
ADAILTON
REIS- Qual a
sua formação acadêmica?
WAKAY
PONTES-
Tenho o segundo grau. Estudei em escolas públicas do governo.
ADAILTON
REIS- Você
teve oportunidade para proseguir nos estudos?
WAKAY
PONTES- Sim,
mas diante disso não fiquei pra trás, divido e convivo tudo que
essa sociedade pode oferecer a um ser humano. Hoje dou cursos
téoricos, estou envolvido com a arte e o resgate a cultura indígena,
como a música e arte cênica.
ADAILTON
REIS- O
senhor esteve em vários seminários, fez um documentário, dá
palestras, promove cursos educativos, rececebe muitas pessoas, alunos
de diversas escolas e faculdades. Você não se considera um
professor?
WAKAY
PONTES- Não.
Eu me considero um aluno, porque cada povo que chega aqui, eles
também trazem algo de novo e consequentemente acabo aprendendo com
eles.
ADAILTON
REIS- A
educação do índio é singular?
WAKAY
PONTES-
Nosso ancestrais nos ensinaram a ser receptivos. Não viemos a esse
mundo para tornar as pessoas nossos fãs, nossos pacientes. O índio
não veio para ser um astro e sim para complementar, fazer parte de
um conjunto. Isso é um tema acadêmico da natureza. Agora eu abro
mão de qualquer situação que venha de encontro com ensinamentos
dos meus ancestrais.
ADAILTON
REIS-
Quantos índios convivem aqui nesta reserva?
WAKAY
PONTES-
Temos quatro familias e dentro do movimento são trinta famílias,
isso fica ao total em torno de sessenta pessoas.
ADAILTON
REIS- Na
Reserva todos estudam?
WAKAY
PONTES-
Todos estudam. Minhas filhas, minha mulher e outros.
ADAILTON
REIS-
Quantos deram seguimento ao curso superior?
WAKAY
PONTES- São
vários, inclusive muitos advogados. Aqui temos muitas pessoas
formadas, mas a maioria está atuando fora. Hoje dentro de nossa
tribo, temos um índio formado. Ele é pedagogo pós graduado em
psicopegagogia. Aprendeu essa línguagem dos homens. Mas ajuda
bastante também. Temos uma contadora de história, que nos ajuda a
contar lendas nos nossos trabalhos educacional. Inclusive temos bons
livros e documentários que eles contribuiram e muito com suas
formações.
ADAILTON
REIS- Essa
formação veio por incentivo do governo? E por que a necessidade
desses índios formados não atuarem na região?
WAKAY
PONTES- Essa
formação não veio de incentivo de governo. Muitos fizemos parceria
com empresas privadas. Já em relação a mudança dos índios, aqui
dentro enfrentamos muitas dificuldades, além de precisarmos ampliar
território sem conflito.
ADAILTON
REIS- Com
essa expanção dos índios formados para outros estados, existe um
deficit na complementação da educação dos índios da aldeia. Uma
vez que esses índios acabam ajudando nesse processo?
WAKAY
PONTES- A
humanidade em si, tem essa necessidade de se renovar, buscar nossos
caminhos para a sua vida. As pessoas generalizam muito o índio. O
índio é só uma palavra generalizada. Hoje o Brasil se resumiu no
Tupi-guarani, mas temos muitas outras linguagem como a lingua do
caribe, camuru, macrugê, entre outros troncos linguisticos. Somos
povos, somos nativos.
ADAILTON
REIS- Vocês
tem acesso a internet?
WAKAY
PONTES- A
internet chegou aqui, através dos aparelhos celulares. Acessamos
através desses aparelhos, mas no sentido da inclusão digital, ainda
estamos longe, estamos trabalhando para que chegue na aldeia. Estamos
em processo de ampliação para quem sabe chegue aqui uma sala de
informática?
ADAILTON
REIS- No município, os
professores da Rede escolar pública municipal estão sempre em greve. Isso afetam vocês?
WAKAY
PONTES-
Sim. Temos nossa própria educação, mas para os homens, precisamos
estudar para ser tal, para ser alguma coisa. A educação deles forma
as pessoas para alimentar um certo consumismo, apenas para um ato.
Então nas leis deles, você precisa estudar senão você não é
nada. Nesse sentido afeta a gente, porque ficamos excluidos.
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